As Sombras de Dom Casmurro

“Há dezoito anos nossos caminhos se cruzaram pela primeira vez, em “Cuidado: Garoto Apaixonado”. Toni, autor do livro que deu origem à peça, estreava como dramaturgo, Débora como diretora e Marcos como ator. Um espetáculo que rendeu um ano e meio de temporadas, prêmios, descobertas e uma amizade que duraria até hoje.

Agora nos reunimos profissionalmente mais uma vez, seduzidos pelos dilemas de outra paixão intensa, desta vez a de Casmurro – um clássico que dispensa apresentações – considerado por alguns críticos um dos melhores livros já escritos.

Uma obra que atravessa mais de um século (o livro foi publicado pela primeira vez em 1900) e ainda é objeto de estudos, discussões e descobertas. Isso é motivo suficiente para abdicar um pouco da correria da vida e contemplar o que essa história tem a nos dizer, ainda hoje.

Uma obra desta magnitude permanece viva porque também se transforma aos nossos olhos: conforme muda o mundo à sua volta, abrem-se novas percepções que sequer seriam cogitadas pouco tempo atrás. Helen Caldwell (crítica literária e a primeira tradutora de Machado de Assis nos Estados Unidos), sessenta anos depois da publicação de Dom Casmurro, trouxe luz sobre aspectos até então ignorados. Discutia-se muito sobre a suposta traição de Capitu, e o veredito quase sempre a considerava culpada. Pois foi preciso uma mulher, estrangeira e criada num país não católico, apontar algo que sempre esteve no livro, mas é tão naturalizado em nós que não havíamos sido capazes de enxergar: o discurso envenenado do narrador, homem, branco e proprietário (de imóveis e bens, da esposa e da própria história). Mas a genialidade de Machado está, entre outras coisas, no modo como ele nos confunde, ao criar um personagem que encarna uma das qualidades das quais mais nos orgulhamos como brasileiros: a sentimentalidade. Algoz e vítima, ele sucumbe às próprias emoções, pois não abre mão de suas prerrogativas de homem numa sociedade patriarcal, não dá chance de defesa a Capitu e resolve a questão do modo mais conveniente para preservar-se de seus desejos – e temores. A solidão é o preço a pagar na contabilidade final dessa tragédia.

A opção por um monólogo decorre da vontade de reafirmar esse aspecto tão fundamental da obra: só conhecemos os fatos pelo olhar do Casmurro. Todos os outros personagens já estão mortos quando ele decide contar sua história. Seria talvez o desejo de imortalizar a sua versão? Não há como responder isso objetivamente. Só nos resta oferecer a tentativa de ler as entrelinhas, ouvir as palavras ditas e as não ditas, duvidando desse Casmurro sedutor.

O teatro é o lugar para nos perguntarmos de que modo evoluíram até hoje as condições que tornaram essa triste história possível. Porque ele acontece aqui e agora. Que possamos então tirar a poeira acumulada por décadas de leituras obrigatórias e reaquecer a palavra esquecida nas páginas do livro guardado na estante para oferecê-la, viva e pulsante.”

Débora Dubois, Toni Brandão e Marcos Damigo

CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA GANHA NOVA ROUPAGEM

“As Sombras de Dom Casmurro” é um recorte do clássico de Machado de Assis feito por Toni Brandão (escritor premiado pelo APCA, Mambembe e Coca-Cola), que só utilizou trechos do próprio livro para compor essa versão teatral em forma de um monólogo.

Dirigido por Débora Dubois (“Lampião e Lancelote”, “Rita Lee Mora ao Lado”) e interpretado por Marcos Damigo (“Lampião e Lancelote”, “Deus é um DJ” e “Insensato Coração” – Rede Globo), que completa este ano vinte anos de carreira. A trilha sonora original foi composta por Gustavo Kurlat (responsável pela trilha de “O Menino e o Mundo” – concorrente ao Oscar de Melhor Animação em 2016).

O espetáculo oferece novas possibilidades de olhar para um dos maiores clássicos da nossa literatura, reavivando seu interesse. Segundo Brandão, “Extraímos do livro seus conflitos mais importantes e demos a eles a potência da palavra encarnada e viva, despertando o interesse para a literatura brasileira e atraindo um público ávido por cultura e entretenimento de qualidade. Além do enorme poder de alcance junto ao público jovem.”

O figurino, assinado por Alexandre Herchcovitch e desenvolvido nas gravações do seu novo reality show “Corre e Costura” (estreia em março no canal Fox Live), retrata a origem aristocrática do personagem, um proprietário de casas e bens, da esposa e da própria história narrada. Ao mesmo tempo, aproxima a obra dos tempos atuais, questionando o quanto se ultrapassaram as condições sociais e históricas que permitiram a criação de uma das mais conhecidas tragédias da literatura brasileira.

A opção pelo monólogo reforça o recurso utilizado pelo autor do romance, de apresentar apenas o ponto de vista do narrador. Machado de Assis foi o primeiro escritor brasileiro a se valer desse procedimento, considerado avançado inclusive para a época em que foi publicado pela primeira vez em 1900.

Sinopse: Dom Casmurro revisita o lugar onde estão guardadas suas memórias, uma espécie de sótão na casa antiga: em cena estão apenas uma mesa, duas cadeiras e alguns objetos. Ele conversa com as pessoas que participaram de sua vida, lembra diálogos que já repassou incontáveis vezes dentro da própria cabeça e divide com o público – as “inquietas sombras” que o visitam – o desenrolar dos fatos que o levaram a concluir que sua esposa, Capitu, o traiu com seu melhor amigo, Escobar, que seria o verdadeiro pai de seu filho, Ezequiel.

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Thelma Guedes (escritora e roteirista da Rede Globo): “A adaptação de Dom Casmurro de Toni Brandão elege e ilumina o que há de mais poderoso na obra prima de Machado. Mas é a interpretação arrebatadora de Marcos Damigo que nos serve numa bandeja o coração de Bentinho, fazendo-nos crer – e viver por alguns minutos – no amor de um protagonista vil, ciumento e cínico.”

Tony Goes (roteirista e jornalista): “Toni Brandão consegue concentrar toda a força do romance de Machado de Assis em pouco mais de uma hora. E a direção elegante de Débora Dubois permite que Marcos Damigo encarne todos os personagens de “Dom Casmurro”, inclusive a inescrutável Capitu.”

Cássio Junqueira (poeta e autor teatral): “O monólogo Dom Casmurro traz excelentes adaptação, direção e interpretação, a serviço de um dos maiores clássicos da literatura brasileira, o livro de Machado de Assis. Prova com a contemporaneidade do espetáculo a imortalidade de uma verdadeira obra de arte. A opção de ter um único personagem no palco nos põe diante do drama de como “escrevemos” a nossa própria história em face dos fatos da nossa vida (interna e externa) e de como, depois de tê-la “escrito”, nós a contamos… Um belo espetáculo, que deve ser visto!”

Eromar Bonfim (escritor): “A ficcionalização de matéria jornalística e a autoficção em moda supõem um lugar para a literatura artística que não é o dela. A peça D. Casmurro desfaz esse equívoco e mostra onde se situa a propriedade da arte literária. A peça D. Casmurro mostra à perfeição a literatura que é para se ver.”

Luciana Carnieli (atriz): “Poesia e arrebatamento… Marcos Damigo se transforma no solitário e irônico D. Casmurro e em outros personagens do clássico romance de Machado de Assis numa interpretação vigorosa e contundente. O ciúme, a dúvida e a ambiguidade da trama são levados à cena pela diretora Débora Dubois com beleza e criatividade. Uma forma deliciosa de conhecer, se reaproximar ou consolidar a paixão por esta obra fundamental da literatura brasileira.”

Leonel Braga Neto
 (psicanalista
membro do Ebep – Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos): “Marcos Damigo não carrega nem ‘incorpora’ Casmurro e Bentinho (e Capitu, e Ezequiel, e o agregado), incorpora o autor: ele desliza tão completamente pelas nuances da língua e do idioma, que revela uma dimensão de partitura do texto machadiano e a executa não como músico, mas como faz um hábil bailarino em um solo dos mais complexos. Machado de Assis está lá. Não houve traição!”

Lucas Brandão (ator e diretor teatral): “Casmurro parece tentar agir sob controle diante de tantas evidências que o levariam à culpa. Ele falha: enlouquece novamente, revive cada instante como se ali estivessem acontecendo. É uma visita a um certo território de nossa sociedade, de nossa consciência, de nossa memória que achamos não existir mais, e o fazemos como quem vai a um museu. Mas, ao chegar, percebe-se que o museu é a própria vida, aqui e agora.”

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Ficha Técnica

Obra de Machado de Assis

Direção: Débora Dubois

Intérprete: Marcos Damigo

Adaptação: Toni Brandão

Assistência de Direção: Luis Felipe Corrêa

Luz: César Pivetti

Figurino: Alexandre Herchcovitch

Cenário: Duda Huck e Márcio Macena

Trilha sonora original: Gustavo Kurlat

Pesquisa literária: Gilberto Martins

Fotografia: Matheus Heck e Dave Santos – Elemento Cultural

Direção de Produção: Fernanda Bianco e Guilherme Maturo – Elemento Cultural

Produção Executiva: Renata Nastari – Elemento Cultural

Comunicação: Dave Santos – Elemento Cultural

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